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domingo, 1 de maio de 2011

"A culpa é do Fidel"- Paulo Carvalho

Eu não tinha visto ainda "A culpa é do Fidel", de Julie Gavras, quando minha filha Elisa, nascida em 1964, me disse que se identificara muito com a personagem principal, Anna, de 9 anos. E me recomendava o filme como imperdível. Dias depois estávamos lá numa sessão, minha mulher e eu, perseguidos o tempo todo pela curiosidade de descobrir por que nossa filha se via tão refletida na personagem daquela menina que levava uma vida tranqüila em Paris ... 

Há os que têm toda a razão de odiar 1968, apesar da ligação sentimental e da afinidade. Não se fala apenas dos que sofreram traumas em conseqüência de violências contra os pais [prisão, tortura, exílio], mas também dos que, tendo que disputar a atenção paterna ou materna com a atividade política, se sentiram preteridos e sofreram crises de carência afetiva, ciúme, rejeição ... 

Movidos pelas novas idéias, os pais de Anna a obrigam a deixar de freqüentar as aulas de religião de que gostava tanto, trocam o apartamento confortável por um bem mais modesto, demitem a babá que vivia advertindo contra os perigos do comunismo, e a menina, cada vez mais revoltada, vê o seu mundo invadido por uma gente estranha e antipática que afasta os pais dela. Freqüentemente acorda à noite, se esgueira até a sala e surpreende reuniões em que homens barbudos meio suspeitos conspiram, preparam manifestações e falam de assuntos que ela não conhece. Tomada por uma irritação crescente, mas ao mesmo tempo fascinada por aquela inesperada movimentação, ela passa a buscar explicações para palavras novas que vai ouvindo, às vezes escondida: aborto, revolução, passeata, feminismo e, principalmente, solidariedade - a solidariedade pregada pelo grupo diante da solidão dela ... 

A aflição da personagem em entender as conversas dos adultos, a sensação de abandono, a "invasão" da casa pelos amigos dos pais - que Elisa se identificou. Muitas vezes saindo do seu quarto de noite, ela também viu reuniões políticas ou festivas como as do filme. Só que não eram necessariamente homens barbudos ameaçadores, mas pessoas que ela conhecia ou iria conhecer em seguida: Paulo Francis, Glauber Rocha, Fernando Gabeira, Leon Hirszman, Hélio Pellegrino, Joaquim Pedro de Andrade. "Quase chorei quando vi no filme aquela menina meio perdida entre os adultos, querendo entender o que se passava e se sentindo, como eu, excluída do mundo deles", queixa-se Elisa. 
Paulo Carvalho

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