Ontem à noite, ouvindo "As quatro últimas canções", bela e comovente obra composta por Richard Strauss já no fim da vida, aos 84 anos, pensei em como, desgraçadamente, alguns grandes artistas acabam manchando suas biografias, por ação ou omissão, em períodos sombrios da história.
Em relação à música, há vários exemplos de compositores, músicos e regentes que estiveram associados ao nazismo durante a 2ª Guerra. Por certo, alguns não chegaram a se envolver diretamente com o regime, mas também não tiveram coragem suficiente para se opor publicamente ao movimento, passando a desfrutar de eventuais benefícios concedidos pelos nazistas.
No caso de Richard Strauss, ele teria aceitado a nomeação para o cargo de diretor musical do III Reich e, mais tarde, dedicado uma canção a Joseph Goebbels, então ministro da propaganda de Hitler. O fato é que, hoje em dia, raramente lemos algo sobre Strauss sem que nos deparemos com referências críticas a sua associação com o nazismo, o que é perfeitamente natural, já que é tudo verdade e faz parte da história. Por outro lado, também é lamentável porque que se trata de um compositor de rara inspiração, que nos deixou um precioso legado musical, com destaque para as óperas "Salomé", "Elektra" e "O Cavaleiro das Rosas", além dos poemas sinfônicos "Morte e Transfiguração" (meu preferido) e "Assim falou Zaratustra", este último celebrizado pela utilização na sequência de abertura do filme "2001: Uma Odisseia no Espaço".
Na verdade, posturas equivocadas, por medo ou convicção, não são monopólio de gente ligada à música. Na década de 50, nos EUA, durante o período do macartismo, muitos intelectuais e artistas consagrados do cinema sucumbiram à febre anticomunista promovida pelo senador Joseph McCarthy, delatando colegas, a maioria para evitar perseguição e boicote profissional.
O que nos serve de alento, ou nos redime, é saber que, apesar dos riscos, muitas vezes de morte ou de privação da liberdade, há aqueles que reagem às injustiças e ao terror. Em Hollywood, Humphrey Bogart e John Huston, dentre outros, resistiram às pressões para delação de companheiros, ao contrário do diretor Elia Kazan, que entregou vários nomes ao comitê do senador McCarthy. Já no caso da música, o regente italiano Arturo Toscanini, por exemplo, nunca se rendeu aos fascistas e a Mussolini, tendo desafiado o ditador várias vezes enquanto trabalhou na Itália.
Como os artistas, acima de tudo, são seres humanos, arte e virtude, para o bem ou para o mal, nem sempre caminham juntas.